quinta-feira, 1 de setembro de 2011

As Organizações Sociais NÃO são uma boa proposta de gestão na saúde


por Bernardo Cotrim (*)

Notas para discutir o PL 767/2011.
O Projeto de Lei 767/2011 de autoria do governo do estado do Rio de Janeiro autoriza o poder executivo à “qualificar como organização social pessoas jurídicas de direito privado, sem fins econômicos ou lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas à saúde, incluindo a área da assistência, ensino e pesquisa...” (Art. 1º.). Na justificativa do projeto, o governador argumenta que “...identificou-se a necessidade da busca de novas modalidades de atuação administrativa para melhoria qualitativa e quantitativa dos serviços de saúde prestados à população”. Isto posto, sobre o projeto em questão, gostaríamos de considerar o seguinte:
1.      Assim como o governo estadual, reconhecemos que, dado a dimensão e a diversidade do Sistema Único de Saúde, é necessário diversificar seus instrumentos de gestão, dando-lhe maior mobilidade administrativa e agilidade gerencial. E o PT deu conseqüência a esta visão, ao aprovar a Lei 5164/2007, de iniciativa do próprio executivo estadual, que o autoriza a instituir as Fundações Estatais “dos Hospitais Gerais”, “dos Hospitais de Urgência e Emergência” e “dos Institutos de Saúde”. Com este gesto, o PT prova que é solidário ao governo, quando adota medidas as quais considera justas, e associadas aos relevantes interesses das políticas públicas, como a da Saúde.
2.      Estando o governo de posse de um poderoso instrumento de gestão para a saúde, a Fundação Estatal, porque haveria de aprovar outro, a Organização Social?  Se o objetivo é suprir a “... necessidade da busca de novas modalidades de atuação administrativa...” como diz na sua justificativa, a FE supre bem esta necessidade. Assim é necessário debruçar um pouco sobre a proposta da OS para a saúde para concluirmos que esta não é a melhor solução para os reais, e graves, problemas administrativos na gestão da saúde pública.
3.      O PL 767/2011 ao permitir que a OS, pessoa jurídica de direito privado não estatal, tenha suas atividades “dirigidas à saúde” está admitindo que um terceiro, estranho à Administração Pública, faça a gestão das Unidades de Saúde para as quais vai se habilitar. Isto significa que importantes equipamentos que dão sustentação ao funcionamento do SUS, deixam de ter gestão estatal, e passam ao controle de entidades privadas. As conseqüências de tal fato enfraquecem o estado na sua condição de formulador e operador da política de saúde, pois com o tempo ele desacumula em capacidade operativa na área. Isto, pelo seguinte:
a.      O controle de recursos pelas entidades (OS’s), significa que as mesmas passam a contar com razoável poder da definição da política de saúde, retirando do estado sua governança sobre os equipamentos sob o mando da OS, pois, o primeiro princípio da gestão é o de que a capacidade de governo se define pelo controle de recursos, sejam materiais, de conhecimento técnico ou políticos. No cotidiano o provimento de insumos, os fluxos assistenciais, as relações com os trabalhadores, etc... será todo definido e operado pela OS, deixando o estado fora do cotidiano da gestão, uma questão fundamental no caso da saúde.
b.      A gestão de importantes equipamentos, como hospitais, por entidades privadas, ao longo do tempo faz com que o estado perca a expertise na gestão hospitalar, ou seja, deixa de acumular em tecnologias de gestão, algo em franco desenvolvimento nos dias de hoje, e assim, perde capacidade operacional ao longo do tempo, ficando cada vez mais refém das entidades privadas, diga-se OS’s, que assumem a sua gestão.
c.      O PL 767/2011 traz inúmeras lacunas, que podem ser vistas com detalhes nas 308 emendas feitas pelas diversas bancadas na Assembléia Legislativa.
4.      Ao contrario, a FE (Lei 5164/2007) inova na gestão da saúde, atende à motivação do governo estadual quanto à garantia de melhoria na qualidade dos serviços, pois proporciona maior agilidade nos processos administrativos, e ao mesmo tempo, mantém a gestão sob controle do estado. Considerando a saúde um direito fundamental, e a política de saúde como prioritária e estratégica, é importante que o estado mantenha plena governança, e no exercício da gestão se mantenha atualizado quanto às novas tecnologias gerenciais, acumulando cada vez mais para sua expertise nesta área.
5.      Assim, consideramos que a proposta da FE supre a necessidade do governo de qualificar o sistema de saúde, sem incorrer nos riscos que a OS representa para a gestão do SUS, como apontados acima.
Mas, para ilustrar um pouco o que estamos argumentando contra OS’s, publicamos abaixo algumas avaliações idôneas sobre a experiência de transferir a OS’s os hospitais públicos em São Paulo:
- Os gastos dos hospitais sob gestão das OS’s é muito mais caro, do que aqueles sob gestão do próprio estado.
O cruzamento de dados dos relatórios das OS com informações do Sistema de Gerenciamento da Execução Orçamentária do Estado de São Paulo (SIGEO) comprova isso.  Em 2008, os 13 hospitais públicos geridos na ocasião por OS receberam R$ 872 milhões.  Um gasto médio, portanto, de R$ 67 milhões. Já os 33 hospitais administrados diretamente pelo Estado gastaram R$ 1,49 bilhão.  Um gasto médio de R$ 45,4 milhões.
Resultado: em 2008, os hospitais geridos pelas OS custaram, em média, 50% mais do que os hospitais públicos geridos diretamente pelo poder público.
Em 2009, isso repete.  Os hospitais públicos geridos por OS receberam R$ 1,35 bilhão.  Um gasto médio de R$ 71 milhões. Já os hospitais administrados pelo Estado gastaram R$ 1,64 bilhão.  Um gasto médio de R$ 48,2 milhões. Ou seja, o gasto médio com os hospitais geridos pelas OS  ficou 47% mais caro.
A mesma tendência em 2010. Ainda com dados provisórios, os hospitais geridos por OS receberam R$ 1,6 bilhão. Isso representa um custo médio de R$ 76,3 milhões. Já os hospitais geridos pelo Estado gastaram até o momento, a quantia de R$ 1,45 bilhão, representando um custo médio anual de R$ 42,8 milhões.
Outro dado revelador. De 2006 a 2009, os gastos com as OS na Saúde saltaram de R$ 910  milhões para R$ 1,96 bilhão.  Um pulo de 114%. No mesmo período, o orçamento do Estado cresceu 47%. Ou seja, as despesas do Estado de São Paulo com a terceirização da saúde cresceram mais que o dobro do aumento do orçamento público.
Só que a sociedade não têm acesso a esses dados. O próprio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo reconhece, insistimos, que o controle social sobre os gastos das OS é muito baixo”. (Conceição Lemes, em www.viomundo.com.br , em 21/12/2010).
Os dados apresentados acima são consistentes, de fontes oficiais, e infelizmente pouco publicizados pela imprensa paulista.
Vimos que diante do fracasso da gestão pelas OS’s, o governo de São Paulo propôs ao final de 2010 Projeto de Lei 45/10 que muda a Lei das OS’s e autoriza as mesmas a venderem 25% dos leitos públicos para planos de saúde privados, ou seja, redução da oferta de serviços hospitalares pelo SUS em benefício do sistema privado. Proposta infelizmente aprovada na Assembléia Legislativa paulista.
Esta é a tendência, uma vez entregue à gestão privada, o estado se sente fiador das OS’s, e diante do inevitável fracasso na gestão dos hospitais, pela própria complexidade que isto envolve, se vê obrigado a ceder cada vez mais para viabilizá-las, retirando recursos do SUS e transferindo-os cada vez em maior volume, e de forma desqualificada, ao já volumoso sistema privado na saúde.
(*) Bernardo Cotrim é membro da Comissão Executiva Estadual – CEE/PT-RJ

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